28.10.07

F A C A N A C A V E I R A

Acabei de chegar do cinema. Finalmente consegui ver na telona o filme que mais tentativas frustradas me trouxe. Todo mundo já tinha visto Tropa de Elite, a maioria em DVD pirata. Passei um mês fugindo das conversas em que o tema era ele. Queria chegar virgem à história. E queria era ver no cinema. O ambiente escuro, a individualidade, a intensidade de som e luz sempre me fazem sair da sala como se eu realmente tivesse vivido aquele pedacinho de história.

Ouvi falar do filme pela primeira vez em algum momento antes da minha última visita ao Rio. Mas foi apenas lá que tomei consciência da existência dele e me interessei em assistir. Estava acontecendo o Festival do Rio, festival de cinema onde a grande pré-estréia era a da película mais aguardada este ano. O Rio tem essa particularidade de ser centro do país. E não é apenas geograficamente. As coisas acontecem lá. Acontecem primeiro, acontecem de verdade, acontecem mais intensamente, mais violentamente. Pois lá o filme estava na boca de todo mundo. Na capa de O Globo, em destaque na Bienal do Livro, no churrasco em família. Na mesa dos barzinhos da Lapa ouvi falar pela primeira vez do BOPE. Didaticamente me explicaram o que era o Caveirão. Pouco antes da minha volta eu já estava até fazendo piada com a famosa viatura super blindada que está mais pra tanque de guerra do que carro de polícia. Eu estava me sentindo dentro da história. Faltava apenas ver o filme.

A gente bem que tentou a pré-estréia no Festival do Rio, mas ali, de última hora, era óbvio que não iríamos conseguir. Tentativa frustrada número um. Voltei pra Porto Alegre resignada com a idéia de ter de esperar cerca de um mês pra finalmente assistir a história do Batalhão de Operações Especiais. Paciência. E então chegou o grande dia: 12 de outubro. Lá estava eu para minha segunda tentativa frustrada. Ingressos esgotados. No dia seguinte, outra vez. E no final de semana seguinte, como que num passe de mágica, todos meus possíveis acompanhantes já tinham visto. Mais uma frustração.

Então hoje finalmente aconteceu. Escolhi meu cinema favorito, sentei num lugar bom, tirei até os sapatos. Então saboreei cada fotograma da história do Capitão Nascimento e seu cotidiano. Fui a última a sair do cinema. Não consegui me mexer. Um inexplicável misto de raiva, ódio, culpa, frustração, indignação me tiraram o domínio sobre meus movimentos. Deve ter sido a tal de catarse.

Havia horas que andava percebendo um certo movimento na direção de culpar a sociedade civil pela violência. Um comercial político aqui, uma entrevista em páginas amarelas ali, o discurso de um acolá. E eu indignada pensava "Que é isso? Agora querem botar a culpa na gente? Assim, de uma hora pra outra?" Só depois de ver o filme é que entendi. Na verdade tive um insight que foi além da mensagem o-usuário-financia-o-tráfico. A violência é nossa responsabilidade sim quando compramos drogas. Mas nossa responsabilidade vai muito além dessa relação tão direta. Quando estacionamos nosso carro em vaga de deficiente somos responsáveis pela violência. Quando eu largo o carrinho de supermercado atrás de outro carro estacionado ao invés de simplesmente tirá-lo de circulação, isto agride. E agride também furar a fila, abusar de poder, achar que só porque vocês estão pagando à babá, ao garçom, à professora eles lhes devem obediência. (Vocês estão comprando um serviço, não pessoas!) E tudo que agride retorna como violência.

Tropa de Elite é um filme muito bom. Não julga. Evita a lição de moral, a ideologização (seja de esquerda ou de direita). É uma estória. Não glamoriza bandido, mas também não o pinta apenas como escória. Policial é gente, tem corrupto e tem não-corrupto. Tem o que tortura e tem o que não concorda com a tortura. E nem por isso um é o 100% bonzinho e o outro o 100% demônio. E tem até mauricinho que esculhamba o policial e aplaude a "consciência social" do traficante dono do morro. Financia o tráfico porque compra a droga deles. Mas ao mesmo tempo faz um trabalho organizado não-governamentalmente pra ajudar a afastar as crianças da favela da vida bandida. Essa nossa mania de separar o mundo entre o bem e o mal. Quando na verdade somos uma mescla dos dois. E a história ali na tela mostra isso o tempo todo. Violência é conseqüência também dos nossos pequenos delitos cotidianos. Só faltou mostrar no filme que tipo de violência gera o DVD pirata em que a maioria assistiu Tropa de Elite.

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